Meu nome era Ren Akiyama.
Era. Porque, honestamente, nem sei mais se aquilo conta como o "eu verdadeiro".
Na Terra, eu era só mais um estudante. Um rosto qualquer em meio a milhões. Um aluno mediano, introvertido, daqueles que quase ninguém notava nos corredores da escola. Não era o melhor em esportes, nem o mais popular nas redes sociais. Não era bonito o suficiente pra chamar atenção, nem estranho o suficiente pra ser lembrado. Eu simplesmente... existia.
Minha rotina era uma repetição sem cor. Acordar, ir pra escola, suportar as aulas enquanto olhava pela janela, ir pra casa, comer qualquer porcaria, dormir e repetir.
Sempre me perguntei se isso era tudo que a vida tinha a oferecer. Se existia algo além daquele céu nublado que parecia pesar sobre mim todos os dias.
Foi numa segunda-feira comum que tudo mudou.
A chuva caía forte naquela manhã. Eu tinha esquecido o guarda-chuva, claro. Estava encharcado, irritado, e com zero vontade de ouvir a professora de literatura repetir pela milésima vez o quão importante era "sentir as entrelinhas de um poema".
Então eu fui pra biblioteca. Um dos poucos lugares silenciosos o suficiente pra me esconder do mundo.
E foi lá que eu encontrei aquele livro.
Estava em uma prateleira que eu nunca tinha notado antes, quase escondida por trás de estantes antigas e empoeiradas. O livro era grosso, encadernado em couro escuro, sem título. Apenas um símbolo marcado em relevo: um círculo envolto por três olhos, entrelaçados por linhas que pareciam vivas.
Algo em mim... se moveu quando o vi.
Como se meu coração tivesse pulado uma batida.
Sem pensar, estendi a mão e toquei a capa.
Foi nesse momento que tudo desabou.
Uma dor aguda atravessou minha cabeça, como se uma lança tivesse sido cravada no centro da minha mente. Gritei — eu acho. Mas ninguém ouviu. O mundo ao meu redor desapareceu como vidro se quebrando. As prateleiras sumiram, os livros sumiram. Tudo foi engolido por uma luz branca tão intensa que queimava os olhos, mesmo de olhos fechados.
E então... vieram as vozes.
"Desperte."
"A alma perdida retorna ao ciclo."
"O Vazio Absoluto está pronto para renascer..."
Senti meu corpo se dissolvendo. Não no sentido figurado — eu literalmente deixei de existir. Carne, osso, pensamento... tudo se desfez como areia ao vento. Eu estava... em lugar nenhum. Flutuando num vazio frio, silencioso, eterno.
E então, uma luz surgiu à minha frente. Um brilho púrpura que se expandia lentamente.
"Kurogane Akatsuki."
A voz ecoou no espaço vazio, e naquele momento, eu soube que aquele era meu nome agora. Como se sempre tivesse sido. Ren Akiyama era só o prólogo de algo maior.
E então, como se puxado por fios invisíveis, fui lançado para dentro da luz.
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Acordei deitado sobre uma grama macia, envolto pelo som do vento e da natureza. O ar era diferente... mais limpo, mais puro. O cheiro da terra molhada, o som de um rio ao longe, o calor suave do sol tocando minha pele.
Abri os olhos... e vi o céu.
Roxo.
Três luas pairavam lá em cima, em perfeita sincronia. As nuvens douradas flutuavam lentamente, como véus dançando no espaço.
Me sentei devagar, olhando para minhas mãos. Elas estavam diferentes. A pele era clara como porcelana, quase brilhante. Meus dedos eram mais longos, elegantes. Meus cabelos caíam na frente dos meus olhos, brancos como neve. E quando vi meu reflexo numa poça d'água próxima... meus olhos.
Roxos. Intensos. Como se a luz do universo estivesse presa neles.
Nesse momento, uma janela flutuante apareceu diante de mim:
[Sistema de Reconhecimento de Alma – Ativado]
Nome: Kurogane Akatsuki
Título: Filho do Caos
Atributo de Alma: Vazio Absoluto
Classe: Desconhecida
Afinidade Mágica: ???
Estado: Despertando...
A tela desapareceu lentamente, e um arrepio percorreu minha espinha.
Eu não sabia o que significava "Filho do Caos", mas não soava muito... amigável.
Foi quando ouvi passos. Rápidos, decididos. Me virei instintivamente, ficando de pé.
E então a vi.
Ela se movia como uma sombra elegante entre as árvores. Cabelos prateados presos num coque alto, olhos dourados penetrantes, armadura negra detalhada com traços púrpura. Em suas costas, uma espada maior que seu corpo. Parou a alguns metros de mim, avaliando cada detalhe com um olhar calculado.
— Você caiu do céu. — disse ela. — E o mundo inteiro estremeceu.
Engoli em seco.
— Eu... não sei onde estou.
— Este é Elseria — respondeu. — Um mundo regido por mana, caos e ciclos eternos. E você, forasteiro... é uma anomalia.
Ela deu um passo à frente.
— Qual é o seu nome?
Por um instante, fiquei em silêncio. Depois, olhei para o céu roxo, inspirei o ar puro daquele mundo estranho... e respondi:
— Kurogane Akatsuki.
O vento soprou mais forte. As árvores estremeceram. O céu brilhou.
E nos olhos daquela mulher, pela primeira vez, vi algo que não esperava ver tão cedo.
Medo.
A mulher — Lyssandra, como descobri depois — ficou me encarando em silêncio por alguns segundos. Como se o próprio nome Kurogane Akatsuki fosse um feitiço proibido. Ou uma lembrança esquecida.
— Você disse... Akatsuki?
— Foi o que me disseram. — dei de ombros. — Eu acho.
Ela franziu o cenho, como se lutasse contra memórias que não queria acessar. Depois virou-se com um movimento elegante, a capa escura se movendo como fumaça atrás dela.
— Venha. Antes que os rastreadores sintam sua presença.
— Rastreadores?
— Criaturas do vazio. Eles sentem distorções no fluxo de mana. E você… está vazando magia como uma fonte quebrada.
Ela começou a caminhar pela floresta, e eu, sem opções melhores, segui. A paisagem ao redor parecia saída de um sonho: árvores de troncos negros e folhas azul-esverdeadas que sussurravam quando o vento as tocava, pequenas criaturas parecendo espíritos de luz saltando entre os galhos. O solo pulsava energia.
— Esse lugar é... surreal. — murmurei.
— Elseria é assim. Linda por fora. Cruel por dentro.
Caminhamos por minutos. Eu tentava entender o que estava sentindo. Era como se cada célula do meu corpo estivesse ligada àquele mundo. Como se Elseria tivesse me aceitado… ou me reconhecido.
— Então... quem exatamente é você? — perguntei, quebrando o silêncio.
— Capitã da Guarda Imperial de Astrya. Sirvo à deusa Astraea e ao Reino Central. E atualmente, minha missão é entender o que, ou quem, caiu do céu envolto em uma aura púrpura.
— E a resposta?
Ela me lançou um olhar lateral.
— Ainda não sei. Mas você não é normal. Isso eu posso garantir.
— Obrigado, acho.
Foi quando o chão tremeu.
Lyssandra parou abruptamente, a mão indo para a espada em suas costas.
— Droga... eles chegaram mais rápido do que pensei.
— Eles quem?
— Rastreadores.
O som de galhos quebrando. Um chiado no ar. Algo se movia entre as árvores — algo grande.
— Fique atrás de mim. — ela ordenou.
Do meio da mata, saíram três criaturas. Humanoides, mas com pele preta como breu e olhos completamente brancos. As veias pulsavam energia púrpura. Suas garras cortavam o ar como lâminas, e as bocas se abriam em gritos silenciosos.
Lyssandra sacou sua espada, e o ar ao nosso redor pareceu congelar por um instante.
Ela se moveu.
Com um golpe, cortou o primeiro rastreador ao meio. O segundo tentou avançar, mas ela girou o corpo com precisão cirúrgica e o decapitou com um corte limpo.
O terceiro... veio em minha direção.
— Merda!
Eu não tinha arma. Não sabia lutar. Meus instintos diziam para correr, mas minhas pernas não respondiam. O monstro pulou, abrindo as garras... e então, o mundo desacelerou.
Tudo ficou em silêncio.
O tempo parou.
E dentro de mim, algo se partiu.
[Atributo de Alma: Vazio Absoluto – Ativado]
Sistema de Defesa Automática Inicializando…
Executando: "Olhar do Caos Primordial"
Meu corpo se moveu sozinho.
Ergui a mão. Não sei como ou por quê — só sei que o fiz. Uma esfera negra surgiu na palma, pequena, comprimida… e incrivelmente densa. Quando toquei o rastreador com ela, o monstro simplesmente... desapareceu.
Não explodiu. Não gritou. Só foi desintegrado em silêncio. Como se tivesse sido apagado da existência.
O tempo voltou ao normal.
Eu fiquei parado, ofegante, olhando para a palma da minha mão.
Lyssandra, a guerreira impassível, me encarava com olhos arregalados.
— Você… não usou mana. Isso foi...
Ela deu um passo para trás.
— ... pura distorção da realidade.
Eu não respondi. Porque, naquele momento, tudo que eu sentia era um calor estranho crescendo dentro do peito. Algo antigo. Algo primitivo.
Algo... perigoso.
E pela primeira vez, senti medo de mim mesmo.
Mesmo que agora eu esteja em outro mundo, farei o possível para continuar lutando.