O mapa pulsava com uma leve luz azulada, marcando seu destino com precisão inquietante. A cada quilômetro que se aproximavam do lago de Kael, a vegetação se tornava mais úmida, mais densa. As árvores altas e retorcidas se inclinavam como se sussurrassem segredos antigos, e o ar carregava um cheiro forte de lodo e magia estagnada.
Ethan caminhava à frente, atento a cada som. Desde o encontro com Kareth, não conseguia ignorar a sensação de que cada passo adiante era observado — não por olhos mortais, mas por forças veladas que julgavam silenciosamente seus atos. Elyss o seguia de perto, calada, os olhos fixos nas sombras entre as árvores.
Depois de três dias de travessia pela floresta pantanosa, finalmente avistaram o Lago Kael. Sua superfície era perfeitamente lisa, como um espelho. Nenhum vento o perturbava. Nenhum pássaro cantava nas margens. E mesmo a luz do sol parecia mais fraca ao se refletir naquela água escura.
— Está... calmo demais — murmurou Elyss, desconfiada.
— Como se esperasse algo.
No centro do lago, havia uma pequena ilhota coberta de névoa, quase invisível a olho nu. Segundo o mapa, era ali que ficava o santuário que conduzia à cidade submersa. Mas não havia barcos por perto, nem pontes.
— Vamos ter que nadar? — perguntou Elyss.
Ethan olhou para a superfície da água e depois para o mapa. Tocando o cristal central, uma projeção em holograma surgiu. Era uma estrutura circular, como uma torre afundada, com runas ao redor.
— Talvez não — respondeu. — Aqui diz que há um selo arcano escondido nas margens. Um "espelho da verdade".
Começaram a vasculhar o local. Após meia hora de busca minuciosa, Elyss encontrou uma formação de pedras coberta de musgo. No centro, uma marca gravada: um círculo com três espirais entrelaçadas. Ao tocá-la, as pedras brilharam. A água do lago começou a ondular... para cima.
Como se algo estivesse sendo empurrado do fundo para a superfície, uma estrutura de pedra emergiu diante deles: uma passarela antiga, ladeada por pilares afundados, que levava diretamente à ilha central.
— Parece que alguém queria esconder bem esse caminho — disse Elyss, assombrada.
— E ainda assim deixou instruções. Alguém queria que a cidade fosse redescoberta... no momento certo.
Caminharam pela passarela, ouvindo seus passos ecoarem sobre a água. O silêncio era quase absoluto. Quando chegaram à ilhota, a névoa se dissipou, revelando uma antiga plataforma de pedra com inscrições que lembravam antigas partituras musicais — notas, compassos, símbolos mágicos.
— Isso é uma sinfonia mágica — comentou Ethan. — Uma canção de abertura.
Colocou a mão sobre as inscrições e entoou, em voz baixa, a melodia que o mapa indicava. Os símbolos brilharam, um a um. E então, no centro da plataforma, uma espiral se abriu, revelando uma escadaria feita de cristal.
Desceram.
A temperatura caiu rapidamente. Cada degrau parecia feito de gelo, mas não escorregava. A escadaria mergulhava nas profundezas do lago, mas nenhuma água os tocava. Era como atravessar um túnel de vidro, e ao redor, criaturas marinhas fantasmagóricas nadavam lentamente, com olhos que pareciam reconhecer os invasores.
— Isso é... impossível — sussurrou Elyss. — Como essa estrutura ainda existe?
— Magia antiga. Da era dos Primevos. Eles moldavam os elementos, domavam o tempo... e sabiam quando desaparecer.
Ao fim da escadaria, chegaram a um arco imenso cravejado de gemas azuis e lilases. Além dele, a cidade submersa de Kael'Daran.
As ruínas eram de uma beleza triste. Torres de mármore quebradas, praças inundadas pela eternidade, templos semi-afundados. Mas tudo ainda brilhava com uma luz tênue, como se a cidade se recusasse a desaparecer por completo.
Ao entrarem, uma névoa densa os envolveu. Sons começaram a ecoar — vozes, risos, cânticos. Mas nenhum ser vivo à vista.
— Ecos... — disse Elyss. — Memórias da cidade.
As vozes se tornaram mais nítidas à medida que avançavam. Ethan percebeu que estavam sendo conduzidos. Cada passo levava a outra ruína, outra lembrança. Em uma praça central, viram projeções de pessoas dançando, crianças correndo. Tudo feito de luz azul. Mas, de repente, a cena mudou.
As águas tremeram. O céu — mesmo aquele artificial — escureceu. Raios vermelhos cortaram o ar. Uma figura encapuzada, muito parecida com Kareth, surgiu na ilusão. Gritos, destruição. O Fragmento da Clareza, mantido no centro de um santuário cristalino, foi tomado por uma fenda dimensional.
— Foi isso que destruiu Kael'Daran — disse Ethan, chocado. — Alguém roubou o Fragmento... ou tentou. E a cidade afundou para selá-lo.
Mas por que?
A resposta veio com a aproximação do templo principal da cidade. Guardiões de pedra despertaram de seu torpor, olhos brilhando, lanças em punho.
— Invasores — anunciaram em uníssono. — Apenas o herdeiro da Canção pode tocar o Fragmento.
Ethan não hesitou. Tocou a runa de sua marca — a que obtivera com a Coroa da Harmonia — e cantou a melodia que o mapa ensinara. A luz dourada irradiou dele. Os guardiões pararam. Por um instante, tudo pareceu calmo. Mas então... um deles se ajoelhou.
— Provação aceita. Vença o Labirinto dos Ecos e provará ser digno.
O chão tremeu. O templo se reconfigurou, as paredes girando, criando passagens novas, escadas flutuantes, corredores infinitos. Haviam sido levados a um labirinto real, construído para testar não só força, mas memória, emoção, clareza.
— Isso é um teste... da mente — murmurou Elyss.
Dentro do labirinto, Ethan viu sua mãe — falecida há anos — sorrindo. Do outro lado, Elyss viu seu pai, que nunca conhecera. Vozerios tentavam desviá-los, fazê-los duvidar de si.
Ethan respirou fundo. Lembrou-se do que Kareth dissera: "A verdade pode ser uma arma." E então, enfrentou as ilusões com sua voz. Cantou.
A música rompeu as mentiras.
Elyss o seguiu, recitando os votos dos Guardiões das Terras Perdidas. As paredes tremeram. Um a um, os caminhos se abriram, até que encontraram o centro: um pedestal com um cristal flutuante — o Fragmento da Clareza.
Era diferente do da Harmonia. Este era frio, translúcido, e girava lentamente. Quando Ethan se aproximou, viu-se refletido... mas o reflexo sorriu de volta antes dele.
Tocou o Fragmento.
Imediatamente, imagens invadiram sua mente: o mundo antes da queda, os sete Fragmentos unidos no Coração de Ankar, a traição de um dos guardiões — um rosto ainda oculto — e a abertura da fenda que consumiu reinos inteiros.
Desmaiou.
Horas depois
Ethan acordou nos braços de Elyss, fora do templo, próximo à escadaria. O Fragmento estava preso em seu peitoral, encaixado junto ao da Harmonia.
— Está tudo bem?
Ele assentiu.
— Vi... algo. E alguém. Uma figura que nos traiu. Mas não consegui ver o rosto.
— Estamos cada vez mais perto. E cada vez mais cercados de sombras.
Ethan se levantou, sentindo-se mais forte, mais consciente. A Clareza agora pulsava dentro dele, tornando cada pensamento mais nítido, cada intenção mais difícil de esconder.
— Vamos sair daqui — disse. — Antes que o lago acorde de novo.