Alara estava cansada. Cansada de viver a vida imposta pela família, cansada de ser vista como um fardo, uma obrigação. Aos dezenove anos, sentia-se uma estranha em sua própria casa. Desde muito jovem, aprendera que sua existência como mulher significava ser rebaixada. Era tratada como um ser inferior, cujas opiniões não tinham valor, e cujo único papel era obedecer. Mas nada mais.
A lua brilhava intensamente no céu, o vento frio anunciava a chegada do inverno e do crepúsculo. A casa permanecia silenciosa, como sempre, exceto pelos gritos estridentes de seu pai. O aroma amadeirado e o toque de limpeza de sua mãe, a decoração impecável, representavam um mundo que Alara começava a desprezar. Tudo parecia perfeito aos olhos de quem observava de fora, mas por dentro era podre, sufocante e apertado. Ela, uma filha obediente, parecia uma marionete controlada pela sociedade e pelas regras do patriarcado.
"Onde você está, menina?" A voz do pai ecoou pelo quarto, estridente e ameaçadora. Alara não se importava mais, não suportava mais a pressão constante, o peso de ser constantemente ameaçada. Cada uma das palavras dele era como um grito distante, algo que ela não ouvia mais de verdade.
Ela se levantou da cadeira, com as mãos tremendo de raiva, mas uma expressão determinada estampava seu rosto. Algo dentro dela dizia que aquele era o momento certo. O momento em que ela faria o que sempre quis fazer, mas nunca teve coragem: fugir. Correr para um lugar onde ninguém pudesse controlá-la, onde ela pudesse ser ela mesma, sem os grilhões da sociedade.
Seus passos eram pesados, o som de seus pés batendo no chão ecoando pela casa silenciosa enquanto ela caminhava com firmeza em direção ao seu quarto. A voz do pai, chamando seu nome, seu tom autoritário gritando da sala de jantar, a deixava nauseada. Ela pegou uma mochila no canto do guarda-roupa e a encheu com o que considerava mais importante: algumas roupas, o dinheiro que acreditava ser suficiente para sobreviver por alguns dias e, com um suspiro, o colar que ganhara na infância, a última lembrança de uma vida que um dia tivera com sua família.
Ela estava pronta. Pronta para se libertar.
Ao se aproximar da porta da frente, as vozes de seus pais brigando quase a fizeram hesitar por um segundo, mas foi apenas um segundo. Os olhos âmbar de Alara se fixaram em sua mãe, sentindo uma grande tristeza por deixá-la para trás, naquela casa com aquele homem. Mas ela voltaria por ela. Alara abriu a porta e deu um passo para fora. O vento frio tocou seu rosto e ela fechou a porta com um estrondo. O som agudo da porta se fechando marcou sua nova jornada, confirmando sua decisão. Ela correu pela cidade, as luzes piscando ao longe, tentando se afastar de tudo. Seu peito subia e descia, sua respiração irregular, seu coração acelerado, e uma sensação de libertação misturada com medo a preencheu completamente. Ela não sabia o que a esperava neste vasto mundo, mas não se importava. Ela estava pronta para os desafios que viriam.
Ao passar por uma rua deserta, seus passos diminuíram. O medo começou a tomar conta. Ela parou para se recompor, olhando ao redor, tentando entender o que fazer em seguida. O som de sua respiração pesada era o único ruído no ar da noite. Mas então, algo a fez parar. Lá, sob uma velha árvore, estava uma figura encapuzada, com o rosto escondido. A presença daquela pessoa era tão estranha e enigmática que fez a espinha de Alara arrepiar. A figura a observava, e seus instintos começaram a alertá-la. 'Quem era essa pessoa?', ela se perguntou mentalmente. A figura não fez nenhum movimento, mas seu olhar parecia perfurá-la, como se soubesse tudo sobre sua vida. O tempo pareceu se esticar enquanto Alara permanecia ali, paralisada, tentando entender o que estava acontecendo. Sem dizer uma palavra, a figura ergueu a mão em direção à garota, quase como se fosse um convite.
"Você finalmente chegou..." A voz era baixa, mas clara. Havia algo antigo e enigmático na maneira como falavam, como se soubessem mais sobre ela do que ela mesma. "Mas como eles sabiam meu nome?", Alara se perguntou mentalmente, mas não conseguiu responder imediatamente. Uma onda de curiosidade a invadiu, embora a suspeita também fosse forte.
"Você me conhece?", perguntou Alara, com os olhos ainda fixos na figura à sua frente. Sua voz soou firme, tentando esconder o medo que ainda pairava em seu coração, embora sua curiosidade fosse maior. Ela não obteve a resposta que esperava, apenas uma risada baixa ecoou pelas sombras da noite, fazendo-a congelar completamente. Como ela ainda podia estar ali, prestando atenção em alguém tão desconhecido? Quando havia se tornado tão descuidada?
"Você ainda não se lembra... Mas vai se lembrar. O mundo tentou esconder o que você é. Mas a verdade... sempre encontra um jeito de emergir." A figura murmurou e ficou em silêncio novamente. Seus olhos vermelhos, como brasas, apareceram por um breve momento, capturando a atenção de Alara. Ela nunca tinha visto olhos daquela cor, mas tentou afastar os pensamentos e a curiosidade. Tudo estava se tornando cada vez mais estranho.
"Do que você está falando?", perguntou ela, tentando encontrar respostas que fizessem sentido para toda aquela situação bizarra. Mesmo com tudo o que acontecia à sua frente, Alara ainda se agarrava à ideia de que precisava se libertar da vida monótona e tediosa que levara até então.
Silêncio. A figura então recuou para a escuridão, seus passos tão leves quanto o vento da noite.
"Adeus, Alara. Tome cuidado. A barreira que te protegia foi quebrada, eles começarão a aparecer. Lembre-se, seu caminho está apenas começando." E desapareceu.
Alara ficou ali parada por vários minutos, incapaz de se mover. O mundo ao seu redor pareceu parar junto com ela. Havia algo queimando dentro dela. Não era dor, nem medo, nem raiva — era como se algo estivesse despertando. Lentamente.
Ela não sabia o que era. Mas sabia que aquela noite havia mudado tudo.
"Eu não sabia o que era aquele arrepio na espinha. Mas não era medo... era o começo."