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Capítulo – A Tempestade Dentro e Fora
O salão estava envolto por véus de seda branca. O dia do anúncio do casamento fora escolhido com precisão política: uma semana após o confronto com o Conselho, antes que o povo começasse a questionar demais.
Kátyra estava parada diante do espelho, com um vestido cerimonial da Casa do Grifo. Dourado e prateado — cores da mãe. Mas ela se sentia como uma lâmina guardada numa bainha de ouro: bonita, mas aprisionada.
Os pais aguardavam na antessala. Quando ela entrou, o clima era cortante.
— Sente-se — ordenou Príncipe Dimitry, com voz baixa e severa.
Princesa Cora, de pé junto à janela, não se virou.
— Você nos envergonhou diante do Conselho — disse Dimitry. — Levantou acusações públicas, desacatou o protocolo, e fez o reino parecer instável.
— O reino é instável — respondeu Kátyra. — Fingir que não está é brincar de castelo enquanto os Darxas enterram a verdade.
Cora virou-se lentamente.
— E o que você quer? Queimar alianças? Rasgar o que sua avó construiu? Juntar-se a um mestiço? — O veneno na palavra "mestiço" era nítido.
— Tharion me ama — rebateu Kátyra. — E me protegeu mais do que todos vocês.
Cora atravessou a sala em silêncio e, num movimento rápido, estalou a mão contra o rosto da filha.
O silêncio foi absoluto.
— Não fale como se o amor fosse escudo. O amor mata rainhas — sussurrou a mãe. — E você não é uma menina apaixonada. Você é herdeira do Norte.
O impacto do tapa não doeu tanto quanto a ferida no peito. Kátyra apenas ergueu o queixo, olhos marejados, sem derramar uma lágrima.
— Então me matem como mataram Moira. Mas não me dobrem.
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Nos Jardins Reais, momentos depois
O som das fontes misturava-se ao farfalhar das folhas antigas. Kátyra estava sozinha, o rosto ainda quente e latejante. Os dedos tocavam de leve o lugar onde a mão da mãe havia deixado sua marca. A fonte dos juramentos jorrava sua água cristalina, símbolo de verdades que não podiam ser desfeitas.
— A princesa do povo — disse uma voz atrás dela. — Com a marca da realeza na face. Combina com você, sabia?
Ela fechou os olhos por um instante.
— Vai embora, Erizy.
— Impossível. — Ele se aproximou, as mãos cruzadas nas costas. — Sou o noivo. E, pelo que ouvi, o único capaz de manter esse reino de pé... já que a herdeira resolveu brincar de revolução.
Kátyra virou-se devagar. Seus olhos estavam vermelhos, mas sua postura permanecia firme.
— Você é uma sombra do que esse reino precisa. Um nome com dentes, nada mais.
Erizy sorriu, como se saboreasse a acusação.
— Melhor um nome com dentes do que um coração que bate por um bastardo. Você realmente acredita que esse Bardaxa pode te oferecer algo além da ruína?
Ela não respondeu.
— Olhe ao seu redor, Kátyra — continuou ele, dando um passo à frente. — Seus pais estão divididos. O povo está confuso. Os Guardiões murmuram. E os Darxas... bem, eles estão farejando fraqueza. A sua.
— Não sou fraca.
— Não. — Ele inclinou a cabeça. — Mas está sozinha. E todos sabem o que acontece com líderes que ousam amar fora da linhagem.
Ela apertou os punhos, mas ele já tinha percebido a hesitação.
— Eu não vim aqui para te humilhar — disse, com voz mais baixa. — Vim para te lembrar que, mesmo odiando isso, você ainda pode escolher como essa história será contada. Pode ser a rainha que enfrentou o caos ao lado de um aliado... ou a mártir que caiu nos braços de um condenado.
Silêncio.
— Você não me ama — murmurou ela.
Erizy se aproximou mais, encurtando a distância com frieza calculada.
— Não. Mas posso proteger você. E o trono. E o legado da sua avó. E, no fim, é isso que conta. Amor... é uma moeda frágil demais para governar um reino.
Ela desviou o olhar. E, pela primeira vez, não tinha resposta.
Ele viu. E soube que, naquele instante, havia vencido.
— O anúncio será feito — disse ele. — Com ou sem o seu coração. Mas, se quiser salvar seu Bardaxa, é melhor sorrir quando chamarem seu nome.
Erizy se afastou com a mesma tranquilidade com que chegara. E Kátyra ficou, imóvel, sentindo a ferida invisível se aprofundar
Kátyra gelou.
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Enquanto isso, nas ruínas da Cidade Baixa
Tharion corria pelas passagens ocultas, com a capa rasgada e sangue no ombro. Os caçadores do Véu estavam atrás dele. Ele ouvira o decreto: Tharion, o Bardaxa, é culpado de seduzir a herdeira e violar o equilíbrio das castas. Deve ser eliminado antes do solstício.
Ele caiu ao lado de Madox, ferido e ofegante.
— Eles sabem... tudo. Estão vindo para silenciar não só a mim, mas ela também.
Madox segurou sua lâmina e apontou para o norte.
— Então corra. Chegue até ela antes que eles a destruam.
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Na Praça Cerimonial, durante o anúncio
Tambores soavam. Kátyra, com o rosto ainda vermelho do tapa, caminhava em direção ao altar sob o olhar do povo. Erizy estava sorridente ao lado dos Guardiões.
Mas o céu escureceu.
Não por nuvens — por sombras.
Criaturas encapuzadas surgiram entre a multidão. Um grito. Uma explosão de luz negra. O escudo protetor da praça foi rompido.
— Darxas! — gritou um dos Guardiões, sacando a espada.
Pânico. Caos. Magia colidindo contra o chão. Um dos sacerdotes foi dilacerado por uma criatura feita de véu puro.
No centro do caos, Tharion irrompeu da multidão, espada em mãos, os olhos procurando apenas uma pessoa.
— KÁTYRA!
Ela o viu. O coração explodiu no peito. Ele correu até ela, derrubando um Darxa no caminho.
Mas Erizy se virou.
— Não. Você não a toca.
Os dois colidiram — espadas rangendo, ódio pulsando. Tharion estava ferido, mas não hesitou. Gritou, com raiva e dor:
— Ela não te ama! Nunca vai te amar! E nem a política, nem a coroa, nem sua arrogância vão mudar isso!
Kátyra puxou uma lança do chão e lançou contra um dos atacantes. Os olhos dela ardiam.
— Chega de vocês decidirem por mim.
E, então, o Véu tremeu. E algo antigo despertou dentro dela.
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