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Chapter 21 - O eco da verdade

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Capítulo — "O Eco da Verdade"

O Palácio do Norte fervilhava em silêncio. A pressa dos criados, os olhos atentos dos guardas e o som abafado dos metais sendo polidos denunciavam a chegada iminente de uma cerimônia que poucos realmente queriam celebrar. O casamento fora anunciado há apenas dois dias. Tudo era urgente, como se o tempo pudesse forçar o destino a se dobrar.

Mas naquela noite, entre sombras e vigias distraídos, Tharion esgueirou-se pelos corredores que conhecia bem demais. A arquitetura do Norte, com suas torres frias e tapeçarias imponentes, não lhe era estranha. Ele atravessou as passagens secretas como um espectro, movido por raiva, saudade e algo ainda mais perigoso: esperança.

No quarto da princesa, a guarda habitual fora trocada por damas da Casa do Grifo. Um sinal claro de contenção disfarçada de gentileza. Kátyra vestia um robe fino e prateado, os cabelos soltos como no dia em que Tharion a vira pela primeira vez. Quando ele surgiu, a lâmina em sua cintura reluzindo sob o luar que atravessava as janelas altas, ela empalideceu.

— Você não devia estar aqui. — disse ela, num sussurro que vacilava entre o medo e o alívio.

— Não devia? — ele rebateu, a voz baixa mas carregada de fúria contida. — E você devia se casar com um verme que te prendeu, te violentou e te expôs?

Ela desviou o olhar, os olhos marejados.

— Eu não tive escolha...

— Sempre há escolha, Kátyra. Sempre. — Tharion se aproximou. — Você é herdeira do Norte, neta de Adam, feiticeira de sangue antigo. Mas quando mais importava, você se calou. Me deixou no escuro. Me deixou pensar que... que você o queria.

— Isso é injusto! — ela se ergueu. — Você não sabe o que ele fez comigo, o que ele ameaçou fazer com meu povo, com meus pais. Ele tem aliados em toda parte... até dentro da minha guarda! Eu fui forçada.

— Mas você ficou. E aceitou o casamento. E deixou que todos acreditassem que ele é o pai. — a voz de Tharion vacilou, ferida. — E quando eu precisei ouvir de você... nada. Só silêncio.

Ela tentou falar, mas as palavras sumiram.

Tharion se aproximou até que os olhos deles se encontrassem. E então sua expressão endureceu.

— Você me deve a verdade. Toda ela.

— Eu fui levada à força para a Prisão de Espelhos, drogada com névoa de sangravil, ele usou rituais das Sombras para me enfraquecer. E sim, ele me tocou. Eu lutei, Tharion, lutei como pude. Mas ninguém veio. Nem você.

Ele recuou, como se tivesse levado um golpe no peito.

— Eu estava a caminho... Tentei entrar naquele maldito território, mas fui detido. Me jogaram para fora como um cão.

O silêncio se estendeu, denso como névoa.

Mas então, em um gesto inesperado, ele tocou seu rosto. Suave. Humano.

— Foge comigo. Agora. Não amanhã, não depois da cerimônia. Agora. Antes que te enterrem num destino que não é teu.

Ela o olhou como se estivesse tentando gravar cada traço. Sua mão tocou a dele. E por um instante, o tempo pareceu suspenso.

— Eu não posso... ainda não. — sua voz era um sussurro. — Meu povo... meus pais... eles precisam de mim aqui.

Tharion afastou-se. A dor em seu olhar era tão nítida quanto a lâmina que carregava.

— Então me diz: você vai se casar com ele? Vai parir o filho dele e fingir que tudo está bem?

Ela não respondeu. Um soluço contido foi tudo o que conseguiu oferecer.

— Essa é a última vez que eu arrisco minha vida por uma dúvida. — ele disse, já de costas. — Se quiser me encontrar... vai ter que escolher. E rápido. Porque depois do casamento, nem os Deuses saberão onde eu estarei.

E antes que ela pudesse impedi-lo, ele se foi.

Kátyra caiu de joelhos, com o coração dividido entre o dever e o amor. Entre a linhagem e a liberdade. E pela primeira vez... sentiu que nenhum feitiço do mundo seria suficiente para salvá-la de si mesma.

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