Capítulo — A Revanche de Kátyra
O sol mal havia aquecido o solo quando ela surgiu. Os cabelos prateados ainda molhados do orvalho, os passos firmes e silenciosos como uma sentença.
Tharion estava de costas, cercado por poucos companheiros, a carranca fechada como de costume. O coração batia tenso desde a noite anterior, e a amargura lhe subia como fel na garganta.
— Bom dia, Tharion. — disse Kátyra, firme.
Ele virou lentamente, e com um gesto debochado se curvou exageradamente.
— Princesa... — respondeu, com um meio-sorriso arrogante.
Ela não reagiu ao sarcasmo. Apenas estendeu a mão, entregando-lhe um rolo de pergaminho amarrado com fita dourada.
— A escritura das Terras Baixas. — disse. — Estão em seu nome agora. Meu pai confia que saberá fazer algo melhor com elas do que os homens que as pisaram por séculos.
Tharion arqueou as sobrancelhas, o deboche desaparecendo um pouco.
Ela retirou um medalhão de cristal envolto em prata.
— Essa relíquia pertenceu aos guardiões mais antigos da nossa linhagem. Ela abre um portal para a Biblioteca de Cristal, em qualquer lugar do mundo. Só funciona quando se deseja, de verdade, aprender. — seus olhos prenderam os dele com firmeza. — Seja digno dela.
Antes que ele respondesse, ela tirou do bolso um último pergaminho.
— E aqui está o decreto real garantindo um salário digno para os bardaxas. Eles não precisam mais se curvar. A menos que ainda queira que alguém se curve. — ela disse.
Então, sem aviso, a mão dela estalou contra o rosto de Tharion. Uma bofetada seca, cortante, que ecoou mais forte que qualquer grito.
Ele cambaleou levemente, surpreso. Antes que pudesse falar, Kátyra segurou as mãos dele, as levantou até a própria testa, repetindo o sinal de submissão que fizera na hospedaria — mas agora invertido. Era ela quem o fazia se curvar.
Ele ficou ali, estático. Envergonhado. Desmontado.
— Algo mais? — perguntou ele, com a voz rouca, olhando-a nos olhos.
Kátyra soltou suas mãos devagar. Olhou para ele com firmeza e... um traço de dor.
— Sim. Estou grávida.
E virou as costas. Deixando para trás não apenas um homem, mas um coração feito em pedaços.
Silêncio. Só o som do vento entre as folhas.
E então, passos pesados se aproximaram por trás.
Orren.
Tharion mal teve tempo de levantar o olhar. O punho de Orren já vinha veloz, certeiro, direto na mandíbula. O impacto fez Tharion girar o rosto, desequilibrado.
— Essa foi por mim... — disse Orren, ofegante. — E por você, princesa.
Tharion esfregou o rosto, respirando fundo, olhos fixos no chão.
Orren permaneceu parado, os olhos cheios de raiva e de verdade.
— Você não sabe o que tem nas mãos. Não sabe o quanto ela lutou. Não vê além da própria dor. Pois agora... veja. Veja o que perdeu.
E saiu, deixando Tharion sozinho, com o gosto metálico na boca e a alma em ruínas.