O turno no restaurante terminou tarde naquela noite.
Depois de limpar a última mesa, troquei o avental sujo pela minha jaqueta fina e saí pelos fundos, como sempre.
O ar estava ainda mais frio, e o vento parecia zombar de mim, passando pelas fendas da roupa como agulhas geladas.
Enquanto caminhava para a estação, mãos nos bolsos, ouvi passos e vozes vindas de uma viela próxima.
Normalmente eu evitaria — ruas vazias à noite nunca eram sinal de coisa boa.
Mas uma palavra capturou minha atenção.
"Caçador."
Parei, quase sem querer.
Escondido na sombra do muro, ouvi melhor.
— O chefe disse que estão precisando de auxiliares urgentemente — falava um homem de voz rouca, com um boné enfiado até as sobrancelhas.
— Sério? — respondeu o outro, mais jovem. — E quanto pagam?
— Quinhentos mil won por entrada. À vista. — O homem riu. — E se você sobreviver e conseguir trazer uma carcaça, ou pelo menos partes valiosas, ainda rola bônus.
Quinhentos mil?
Era mais do que eu ganhava em três meses no restaurante.
Meu coração disparou.
— Mas não é arriscado? — perguntou o mais novo, hesitante.
O mais velho deu de ombros.
— Claro que é. A Terra Espelhada não é passeio no parque. Bestas-espírito estão por toda parte.
Mas... — ele olhou para os lados e baixou ainda mais a voz — ...dizem que alguns têm sorte.
Que quem atravessa e sobrevive... às vezes... desperta poderes.
O mais jovem arfou.
— Sério?
— Sério.
Habilidades de animal. Força, velocidade, sentidos melhorados.
Coisa de louco.
— E... onde se inscreve?
— Amanhã cedo. No prédio velho da antiga associação de caçadores, no distrito do mercado negro. Mas... — o homem riu de novo — não vá achando que é moleza, moleque. A maioria morre na primeira travessia.
As vozes se afastaram, ecoando pela rua vazia.
Eu fiquei parado, o coração martelando.
Poderes.
Dinheiro.
Uma chance.
Olhei para minhas mãos geladas, sujas da graxa do restaurante.
A imagem da Eunha na cama, tossindo, invadiu minha mente.
Os remédios.
O aluguel.
A fome.
Eu não tinha opção.
Nunca tive.
Se existia uma chance, por menor que fosse, eu tinha que tentar.
Dei um passo para trás, saindo da sombra.
O vento bateu no meu rosto, mas desta vez não senti frio.
Senti esperança.
Naquela noite, deitado no colchão duro do meu canto no quarto, olhei para o teto rachado e sussurrei para mim mesmo:
— Amanhã... tudo muda.
Fechei os olhos, ignorando o medo que ameaçava me paralisar.
Eu não podia mais ser só um espectador da minha própria vida.
Era hora de me tornar algo mais.